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21 de fevereiro de 2005

Ao ler Carlos A. Ferreira de Almeida...

É verdade, foi ao ler um escrito de Carlos A. Ferreira de Almeida, acerca da castelologia medieval, que se me fez luz acerca de um assunto pelo qual pensava já ter uma convicção bem definida e inabalável. Essa questão prende-se com o carácter generalista, ou não, das licenciaturas em arqueologia. Na verdade era, até à altura em que li esse escrito, um acérrimo defensor da especialização das licenciaturas em arqueologia em áreas de conhecimento ou em períodos. A ideia que me sustentava tal convicção era a amplitude de conhecimentos que o estudo, por exemplo, da pré-história ou da arqueologia clássica exige. Então não seria mais correcto a partir do meio da licenciatura o aluno escolher um ramo de especialização? Agora cheguei à conclusão que não, porque desse modo o aluno nunca disporia de um conhecimento de base acerca das temáticas arqueológicas, nem, muito menos, teria um conhecimento imediato das metodologias de abordagem aos diferentes períodos ou “assuntos” arqueológicos. No final, o seu curso de licenciatura seria incompleto e redutor, visto que as escolhas para uma eventual especialização não poderiam ser clarividentes, por ausência dessa base acerca da diversidade arqueológica. Na verdade, o carácter generalista da licenciatura afigura-se-me como sendo uma opção sábiamente cautelosa, e os directores dos cursos que não caíram na tentação de as especializar sabiam o que estava em jogo (penso que não existe nenhum caso em Portugal). Uma eventual especialização deveria, sim, figurar num mestrado ou doutoramento, altura em que será de prever que o arqueólogo possua já uma ideia do conjunto arqueológico mais bem definida pela experiência teórica e de campo. No entanto, como todos sabemos, os departamentos de arqueologia das universidades, deparam-se com todo o género de dificuldades, sejam elas relativas ao pessoal docente, sejam relativas a questões financeiras, daí que a criação de mestrados orientados para determinadas especialidades (teoria arqueológica, informática, arqueologia de campo, arqueometria, arqueologia experimental, entre muitas possibilidades), são praticamente impossíveis de conseguir. Mesmo assim, assalta-me outra dúvida. Será mesmo necessário este tipo de compartimentação do saber arqueológico? Só me ocorre uma situação em que se poderia tirar vantagens de uma situação como esta, de especialização. Seria se houvesse o hábito e, fundamentalmente, a possibilidade de um projecto de investigação arqueológica poder contar com múltiplos investigadores que se dedicariam à condução de estudos dentro das suas áreas de especialização. Apenas nestas circunstâncias se justificaria a estruturação do ensino pós-graduado em áreas de especialização, pois na situação em que vivemos, onde os parcos recursos mal chegam para a realização do trabalho de campo, não se tiraria o proveito rentável de tal situação. Mais uma vez, a pretensão de especializar volta a cair por terra. Lembro-me agora, também, da questão em que alunos que, com todo o mérito e louvável esforço, acabam as suas licenciaturas e transitam, normalmente por convite das faculdades, para um doutoramento. Será pedagógica tal situação, por mais mérito que tenha o aluno? Não se deveria antes, e como prémio pelo seu esforço, proporcionar todas as condições para que tal aluno possa potenciar as suas capacidades antes de se aventurar num doutoramento? Em vez das faculdades o convidarem para um doutoramento, ou mestrado, por que não arranjar um estágio nas mais prestigiadas universidades da Europa, onde se ensine arqueologia. Não seria esse o caminho que um excelente aluno deveria percorrer antes de se aventurar num doutoramento? De todos aqueles que o fizeram, quantas expectativas se goraram, ou se perderam talentos? Não é que tenha o quer que seja contra tal situação, apenas me questiono acerca dela. São estas as dúvidas de alguém que ainda está a descobrir e a aprender a arqueologia, coisas que me ocorreram a ler um texto onde, apesar de ser uma consciência presente, mas não deste modo estruturada, se contactava que “talvez em mais de metade dos casos, os castelos medievais nos aparecem em montes onde preexistiram esses velhos povoados (...)” onde o autor se refere à “perduração dos antigos castros, entretanto romanizados, ao longo da nossa Idade Média.” (Almeida, C.A.F., 1989, p. 38), demonstrando desse modo um exemplo de como um sítio arqueológico pode ser feito de vários "sítios", não tendo o arqueólogo legitimidade para desprezar qualquer um deles. Já agora a referência bibliográfica completa:
- Almeida, Carlos Alberto Ferreira de, “Castelos e Cercas Medievais: séculos X a XIII”, in História das Fortificações Portuguesas no Mundo, dir. Rafael Calado, Lisboa, Alfa, 1989, pp. 38-54 (Portugal no Mundo, dir. Luís de Albuquerque).

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